segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Preço baixo da Uber vai acabar, diz especialista

Para pesquisador de monopólios da internet, serviço deixará de ser barato assim que a concorrência quebrar
Para o pesquisador bielorusso Evgeny Morozov, especialista em internet e nos monopólios que surgiram com a vida em rede (como Facebook e Google), os preços baixos da Uber têm prazo para acabar: assim que a empresa conseguir quebrar toda a concorrência em serviços de transporte individual. Além disso, para aumentar suas margens de lucro, Morozov diz que a Uber deve investir em carros automatizados - eliminando assim o pagamento aos motoristas de sua equação de negócios.
Autor de "The Net Delusion, the Dark Side of the Internet Freedom" (A ilusão da rede, o lado negro da liberdade na internet), o pesquisador foi professor visitante na Universidade Stanford, passou pela Universidade Georgetown, ambas nos Estados Unidos, e pela Open Society Foundation. Em entrevista à Folha, por e-mail, Morozov ironizou o modo como a empresa tenta escapar da regulação: "A Uber vai criar uma sede em Marte e argumentar que são marcianos, por isso não se sujeitam à regulação da Terra?".
Folha - Qual é o plano da Uber para operações internacionais?
Evgeny Morozov - O único modo para a Uber ser muito lucrativa e retornar capital para seus investidores – não se pode esquecer que eles captaram rios de dinheiro – é operando em escala global, com pouca competição. A estratégia tem sido levantar tanto capital quanto possível para entrar no máximo de cidades possíveis e estabelecer liderança em cada uma delas, convencendo investidores de que esse crescimento vai continuar.
A próxima fase será a automação dos carros para se livrar dos motoristas – outra forma de satisfazer investidores. Com poucas exceções, o plano da Uber deu certo: conseguiu atrair muitos usuários, que valorizam bom serviço e preços baixos. Não acredito, no entanto, que os preços se manterão baixos: são temporários para destruir a competição e mobilizar a base de apoio à Uber entre os consumidores.
A Uber opera em sete cidades brasileiras e encara grandes protestos de taxistas e sindicatos. Por que o aplicativo é tão encantador para os consumidores e quais são os riscos do crescimento desse serviço?
Primeiro porque, ao contrário da indústria de táxis, que não inovava, pois como monopólio regulado não precisava, a Uber oferece inovações muito legais. Segundo, por causa de sua escala e do subsídio temporário de investidores como Goldman Sachs e Google. Com isso, a Uber pode oferecer serviços (na maioria das vezes melhores) a preços bem menores.
De algum modo, a Uber se encaixa perfeitamente numa visão neoliberal utópica em que somos apenas consumidores satisfeitos em maximizar nosso próprio bem-estar às custas dos outros.
Há, é claro, o custo mais óbvio: motoristas do Uber são explorados e monitorados em uma série de formas bem insidiosas sem nem sequer serem empregados da empresa. São atualmente a principal fonte de dados para a companhia, que poderá usar esses dados para tornar seus empregos obsoletos.
Taxistas brasileiros têm feito intensos protestos e até agredido carros e passageiros da Uber. Não há risco de levar mais consumidores para a Uber por causa da violência?
Os protestos podem ser bem-sucedidos em pelo menos destacar as formas pelas quais a Uber está evitando o tipo de regulação imposta ao resto da indústria de táxi.
A Uber prega o livre mercado e a competição. Mas eles não querem competir em tal mercado, argumentando que não são uma empresa de táxi, mas uma firma de tecnologia e que, portanto, não devem se sujeitar às taxas e regulações impostas ao mercado de táxi. Não é preciso ter solidariedade com os taxistas para ver que os argumentos da Uber não se sustentam. O que vem depois, eles vão criar uma sede em Marte e argumentar que são uma empresa marciana, portanto, não se sujeitam à regulação da Terra?
De modo geral, há outras formas além de empresas de táxi para tomar proveito dos dados produzidos por nossos smartphones, mas isso não muda o fato de que a Uber está inventando desculpas para não fazer o que os outros são obrigados a cumprir.
Estes são alguns trechos de uma reportagem-entrevista de Rodrigo Russo publicada na edição de 7 de fevereiro de 2016 do jornal Folha de S.Paulo. Os trechos grifados nas respostas constituem os destaques feitos na reportagem.
Grande parte do que é dito por Morozov, considero validada pelos trechos do artigo de Lúcia Guimarães publicado na edição de 15 de fevereiro de 2016 do jornal O Estado de S. Paulo, em sua coluna quinzenal e reproduzidos nos quatro próximos parágrafos. Quem os ler comprovará.
No dia 2 de fevereiro, 50 motoristas do Uber saíram do aplicativo da empresa e fizeram uma greve, na área do estacionamento onde costumam esperar as chamadas para o LaGuardia. O Uber havia anunciado, no dia 29 de janeiro, a redução do preço das corridas em Nova York e várias cidades dos Estados Unidos e Canadá para pressionar as concorrências locais. Não era a primeira vez que a empresa fundada pelo obnóxio Travis Kalanick reduzia preços e também já havia aumentado a fatia que abocanha dos motoristas. O nascimento do pequeno movimento sindical no aeroporto foi relatado na revista New Yorker.
Espremidos nos seus ganhos mais uma vez, muitos disseram que não era mais possível se sustentar com os novos preços e reações de protesto começaram a pipocar na rede social, em parte graças a um grupo criado, ó ironia, no WhatsApp de Mark Zuckerberg, pelo pessoal que protestou no Laguardia.
A reportagem da New Yorker mostra como a massa de motoristas do Uber - só em Nova York, estima-se que há 30 mil registrados no aplicativo – está na mira de grupos sindicais em todo país. Em dezembro, a câmara de vereadores de Seattle aprovou por unanimidade a autorização para motoristas do Uber e do concorrente Lyft se sindicalizarem. Há uma ação de classe em curso na Califórnia exigindo que os motoristas sejam classificados como empregados e não autônomos.
Chamar de "parceiros-motoristas" seu exército de autônomos que incorporem em todas as despesas para trabalhar sem a menor perspectiva de estabilidade, além de ofuscar a natureza da relação de trabalho, há de despertar a reação previsível, a defesa da volta a um rígido modelo de sindicalismo do século 20.
E para encerrar esta postagem acho perfeita a seguinte opinião de Evgeny Morozov.
"De algum modo, a Uber se encaixa perfeitamente numa visão neoliberal utópica em que somos apenas consumidores satisfeitos em maximizar nosso próprio bem-estar às custas dos outros."
A próxima postagem apresentará a íntegra do artigo de Lúcia Guimarães citado nesta, ok?

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