quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Escravos da moda

Exploração de trabalho em condições degradantes em fábrica de fornecedores da grife Zara em São Paulo mancha reputação da marca espanhola
“A trajetória ascendente da grife espanhola Zara levou seu fundador, Amancio Ortega, ao posto de sétimo homem mais rico do mundo, com uma fortuna estimada em US$ 31 bilhões. O frisson provocado pela entrada no mercado brasileiro, em 1999, transformou a marca em item obrigatório no closet das consumidoras de classe média. Mas uma mancha surgiu em meio à tamanha opulência. Na semana passada, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) descobriram um esquema de utilização de mão de obra escrava em três fábricas de fornecedores da Zara, em São Paulo, nas quais 68 trabalhadores recebiam poucos centavos por peça produzida em condições subumanas.
(...)
A investigação conduzida pelo Ministério Público do Trabalho e pelo MTE começou em maio, na cidade de Americana, interior paulista, onde se descobriu uma oficina com 52 funcionários (46 bolivianos, cinco brasileiros e um chileno) trabalhando em péssimas condições e com remuneração mínima. Metade de produção da fábrica, que foi fechada na época, era destinada à grife espanhola. (...) Tornou-se comum, no Brasil, aliciar bolivianos e colocá-los em locais insalubres para a fabricação de vestuário popular. A prática ilegal chegou ao mundo das grifes.
Em duas oficinas, 16 bolivianos amontoavam-se em um espaço exíguo entre enormes volumes de peças, em meio à sujeira, falta de ventilação e com fiação elétrica exposta. Não havia descanso. A jornada diária era de até 16 horas e a remuneração irrisória. O dono da oficina recebia apenas R$ 6 por calça jeans fabricada. Deste valor, apenas um terço era dividido para os trabalhadores. Na loja, a mesma peça é vendida por R$ 135, em média. (...)
Pesadas acusações
Grandes empresas que também tiveram seu nome envolvido com trabalho escravo e infantil
NIKE, GAP, Lojas Pernambucanas e ADIDAS.
(...)”
Estes são alguns trechos de uma reportagem de Flávio Costa, publicada na edição de 24 de agosto de 2011 da revista IstoÉ.
A prática recentemente descoberta pelos dois ministérios citados na reportagem é uma antiga conhecida do extraordinário escritor Eduardo Galeano. Em um livro intitulado De pernas pro ar – A escola do mundo ao avesso, publicado no milênio passado (em 1999), ele já a denunciava. Leiam os trechos abaixo e confiram.
“O empresário argentino Enrique Pescarmona fez uma reveladora apologia da globalização:
- Os asiáticos trabalham vinte horas por dia – declarou – por oitenta dólares ao mês. Se quero competir, tenho de recorrer a eles. É o mundo globalizado. Em nossos escritórios de Hong Kong, as moças filipinas estão sempre bem-dispostas. Não tem isso de sábado ou domingo. Se for preciso trabalhar corrido durante vários dias, sem dormir, elas trabalham, e não recebem horas extras e não reivindicam nada.
Uns meses antes desta elegia, incendiou-se uma fábrica de bonecas em Bangkok. As operárias, que ganhavam menos de um dólar por dia e comiam e dormiam na fábrica, morreram queimadas vivas. A fábrica estava fechada por fora, como os barracões na época da escravidão.
São numerosas as indústrias que emigram para os países pobres, em busca de braços, que os há baratíssimos e em abundância. Os governos desses países pobres dão as boas-vindas às novas fontes de trabalho, que em bandeja de prata são trazidas pelos messias do progresso. Mas em muitos desses países pobres, o novo proletariado fabril trabalha em condições que evocam o nome que o trabalho tinha na época do Renascimento: tripalium, que era também o nome de um instrumento de tortura.”
Achei muito sugestivo o título da reportagem – Escravos da moda -, pois creio que escravidão e moda têm muito a ver. A primeira relação que percebo entre elas baseia-se no que dizem historiadores e arqueólogos. Segundo eles, desde os primórdios dos tempos o homem escraviza outros homens usando-os como mão-de-obra e, principalmente, como objeto de demonstração de poder e de superioridade (sabe-se lá em que). Ou seja, escravizar pessoas é algo que sempre esteve em moda.
A Revolução Industrial proporcionou a falsa impressão de que o homem evoluíra moralmente e passara a considerar a escravidão algo degradante, mas, se pensarmos bem, tal interpretação é equivocada. O verdadeiro motivo para levantar a bandeira da abolição da escravatura era o interesse econômico. A intenção era libertar os escravos – que nada recebiam por seu trabalho - e transformá-los em mão-de-obra barata para as fábricas. Será que o trabalho de homens, mulheres e crianças nas fábricas inglesas, no auge da Revolução Industrial, não continuou sendo uma forma de escravidão?
A segunda relação que percebo entre escravidão e moda baseia-se no comportamento daqueles que, ávidos por possuir tudo que seja apregoado como sendo a última moda, endividam-se para comprar o carro, o celular, o tablet, as roupas etc, no modelo que estiver na moda. E agindo assim, terminam escravos de instituições financeiras que ao facilitar a aquisição de tantas coisas da moda dificultam a aquisição da libertação financeira. É adequado chamá-los de escravos da moda? Creio que sim.
Diante do que foi dito acima, deixo a seguinte questão: Em quem a expressão escravos da moda veste melhor? Em quem trabalha em condições degradantes e com remuneração mínima ou em quem consome em condições irracionais e com endividamento máximo? Ah! Deixo também um lembrete. O título deste blog é Lendo e opinando.

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