sexta-feira, 10 de junho de 2011

Covardia no pátio

Um menino de 6 anos é agredido por outro de 14 no intervalo das aulas no Colégio de São Bento, um episódio bizarro que foi definido pela direção da escola como “brincadeira inconseqüente”

“O ataque demorou menos de cinco minutos. O primeiro golpe, desferido por um grandalhão de 14 nos, veio na forma de uma rasteira. A vítima, um menino de 6, desabou no chão e bateu a nuca no piso de concreto. Meio tonto, levantou-se apenas para receber uma segunda banda. Novo tombo, outra batida de cabeça no chão, agora do lado esquerdo, pouco acima da orelha. Um grupo de amigos do garoto menor assistia estarrecido à cena, enquanto três outros adolescentes, amigos do agressor, bloqueavam o caminho para que eles não o socorressem nem buscassem ajuda. O pequeno se levantou, mas seu carrasco não desistiu – colocou o pé na sua frente e puxou a perna. A queda, dessa vez, foi com o rosto no chão. Só então a coça parou. O adolescente saiu correndo com seus amigos, enquanto o pequeno foi largado para trás. O resultado de toda essa brutalidade acabou registrado na delegacia policial e em um laudo médico de uma clínica na Lagoa: dois inchaços sob o couro cabeludo (na nuca e pouco acima da orelha esquerda) e um galo com um corte na testa. Por causa dos ferimentos, a criança ficou 48 horas em observação, até os médicos descartarem o risco de um eventual coágulo no cérebro. ‘Foi uma covardia’, diz Maurício Meneses dos Reis, pai do garoto ferido. ‘Não aceito a hipótese de acidente ou brincadeira’.
(...)
Do momento em que a agressão aconteceu até o fechamento desta edição, a direção do colégio aferrou-se à estratégia de minimizar o incidente (veja o quadro na pág. 27). Filho único de um casal de médicos, o adolescente B.B. recebeu uma punição branda: apenas um dia de suspensão. Na manhã seguinte, a coordenadora Maria Elisa Pedrosa qualificava a questão como uma ‘brincadeira inconsequente’. Na terça-feira 31, uma entrevista do supervisor administrativo do São Bento, Mário Silveira, foi emblemática. Ele elogiou o valentão, afirmando que é um excelente estudante, e disparou; ‘Esse menino (o agressor) já está mais do que punido. Mais do que aquele que se acidentou, que já está alegre e fagueiro em casa’.

A imagem não poderia ser mais equivocada. O garoto agredido, P.H.A.R., não está alegre nem fagueiro. Anda triste, assustado e traumatizado com o episódio. Demonstra dificuldade para dormir à noite e até para ir ao banheiro sozinho. E, apesar de a escola ressaltar o bom desempenho do adolescente agressor nos estudos, ele está longe de ser o santo que os monges beneditinos imaginam. Em seu perfil público no Facebook, expõe fotos de colegas ridicularizados e de seus amigos se exibindo como se fossem traficantes de drogas (veja fotos na pág. 29) Em uma troca de mensagens datada de setembro do ano passado, B.B. combina com outros cinco colegas maneiras de excluir um aluno da turma.
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Mas o mais assustador em todo o acontecimento é que a direção do São Bento parece concordar. Ao menos, essa é a interpretação que se tira a partir das reações que a escola demonstrou até aqui. Os pais do agredido, Mauricio Meneses dos Reis e Viviane de Azevedo da Silva, souberam do incidente por um telefonema de uma funcionária. Na primeira versão, o menino teria caído sozinho, em um episódio envolvendo um estudante mais velho. Pressionada pelas circunstâncias e pelo relato dos garotos que viram a cena, a direção admitiu depois que havia sido uma ‘brincadeira inconsequente’. O tom de ‘isso não foi nada’ prosseguiu. Na primeira nota que divulgaram, os monges repudiaram o encaminhamento dado ao caso (ou seja: criticaram a família da vítima por procurar a polícia) e disseram que, da mesma forma que as pessoas têm liberdade para fazer sua matrícula na instituição, são livres para manter ou não seus filhos ali. ‘Entendi essa colocação como um convite para retirar meu filho do colégio’, diz Viviane de Azevedo. Essa determinação ela cumpriu à risca. Na semana que vem, o garoto deve começar em outro estabelecimento.
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Encastelados no mosteiro que fica no topo do morro que leva o nome do colégio, com uma ampla vista da Baía de Guanabara, os monges beneditinos comandados pelo reitor dom Miguel da Silva Vieira entregaram a responsabilidade ao seu departamento jurídico. Como bons beneditinos que são, seguirão zelando pela excelência do ensino, pelo regimento pétreo de sua escola, por suas convicções anacrônicas e, acima de tudo, em silêncio monástico.”

Estes são alguns trechos de uma reportagem de Alessandra Medina, Caio Barreto Briso, Letícia Pimenta e Sofia Cerqueira publicada na edição de 8 de junho de 2011 da revista Veja Rio. É uma excelente reportagem que merece ser lida na íntegra. Selecionei alguns trechos e a própria postagem ficou longa, mas tirar algum (ns) deles comprometeria a base necessária para a minha opinião sobre o lamentável episódio.

Respeitando a vontade da minha esposa que é professora, e contrariando a minha, meu filho cursou a segunda fase do ensino fundamental no referido colégio. No meu entender, basta um simples motivo para não colocar um filho naquele colégio. O fato de ser exclusivo para meninos. Acho absurda a ideia de, durante a fase de preparação para a vida, separar por gênero seres que quando estiverem preparados (sic) precisarão conviver. Acredito que tal separação esteja entre as convicções anacrônicas citadas no final da reportagem, mas não explicitadas.

Creio que o fato de ter um filho que estudou naquele colégio me dê condições de opinar sobre ele. Então, vamos lá. Naquela época existiam, e creio que ainda existem, reuniões periódicas com pais, professores e a direção do colégio. Durante as reuniões eram apresentadas estatísticas mostrando o aproveitamento de cada turma para que com elas os pais pudessem avaliar o aproveitamento de seu filho em relação aos demais alunos. Era permitido aos pais o uso da palavra durante as reuniões, mas era aconselhável que eles a usassem para elogiar e não para criticar.

Certa vez, uma das mães, que era professora, usou a palavra para questionar, de forma bastante consistente, alguns procedimentos usados em determinada disciplina e ao terminar ouviu do “magnífico” reitor algo mais ou menos assim: a senhora tem o direito de expressar sua opinião, mas a direção do colégio sabe melhor do que ninguém como proceder em relação ao que nele acontece. Fiquei chocado e perdi o interesse de comparecer àquelas reuniões para não tornar a presenciar demonstrações de arrogância.

Contar outras passagens alongaria ainda mais esta postagem, portanto cito apenas esta. Creio que ela seja suficiente para entender como normal o comportamento da direção do colégio relatado na reportagem. A direção segue aquele desgastado e estúpido lema: Os incomodados que se mudem. Se não está satisfeito com as regras do colégio, tire daqui o seu filho. Afinal, as regras são perfeitas e a direção do colégio é infalível. Se não fosse assim, o colégio não estaria entre os que mais aprova nos exames vestibulares, não é mesmo?

É preciso entender que o compromisso daquele colégio (e também de outros mais) é oferecer uma brilhante formação intelectual, sem se importar com qualquer deformação moral. O importante é que o aluno tenha ótimo desempenho nos exames vestibulares e eleve cada vez mais o conceito do colégio. É isto que faz a grandeza do colégio e não a formação de homens de bem. Se o adolescente é um excelente aluno (que poderá elevar ainda mais o conceito do colégio) pouco importa que ele agrida covardemente uma criança em seu pátio. Sendo assim, este tipo de episódio deve ser tratado com ‘isso não foi nada’. Para ser alguma coisa é preciso que ocorra uma chacina como a daquela escola em Realengo.

Dois inchaços sob o couro cabeludo (na nuca e pouco acima da orelha esquerda) e um galo com um corte na testa não são nada de mais. O máximo que causam é a necessidade de ficar 48 horas em observação, até os médicos descartarem o risco de um eventual coágulo no cérebro. Basta um atendimento médico e o aluno que se acidentou já está alegre e fagueiro em casa.

Covardia no pátio foi o título dado à reportagem. Com base no que nela foi relatado que nome deve ser dado à atitude dos monges de permanecerem encastelados no mosteiro em silêncio monástico?

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